Lhasa, 11 de Agosto de 2007
Acabamos de chegar à capital do Tibete. À primeira vista, dos edifícios e organização da cidade, o Potala parece a única coisa que resta do velho Tibete. O que vi a caminho do hotel é tudo chinês.
Estamos todos cansados porque o dia foi uma travessia de mais de
No caminho subimos até cerca de
A população da Região Autónoma do Tibete ronda actualmente os 2,8 milhões de pessoas, tendo duplicado o número de 1951, altura em que este país foi invadido pelos chineses. As estatísticas indicam que actualmente a população da etnia tibetana ocupa mais de 92% na população total, e a expectativa média da população passou de 35,5 anos em 1951 para 67 anos, na actualidade. Para tal, terá contribuído a elevação do nível de vida e visível melhoria das condições de tratamento médico, elevando o nível sanitário dos agricultores e pastores tibetanos.
Tal crescimento também se deve ao aumento de chineses que passaram a residir nesta parte do país. O controlo do número de filhos nesta região não se limita a um, como no resto da China, mas sim a dois, contudo, o moderno método de controlo da natalidade no Tibete é ainda a entrada num mosteiro.
A população tibetana tem origem na família mongol. Provavelmente descendem das tribos nómadas que migraram do norte e que se instalaram nos vales tibetanos nas margens dos rios, sendo que há vários grupos nas diferentes regiões. Os mais conhecidos são os Khampas do Leste do Tibete, maiores; no Sudeste do Tibete encontram-se as minorias Lhopa e Monpa, que equivalem a menos de 1% da população. Há ainda os Muçulmanos Hui. Estes Muçulmanos Tibetanos foram desde sempre comerciantes ou talhantes. Os Tibetanos também são aparentados com os Sherpas do Nepal e os Ladakhis da Índia.
Tradicionalmente, a sociedade tibetana estava dividida em três grupos: os nómadas (drokpa), os agricultores dos vales (rongpa) e a comunidade de monges e monjas (sangha). Crê-se que cerca de um quarto da população ainda seja nómada.
A grande maioria dedica-se à agricultura, alguns possuem extensos rebanhos de cabras e ovelhas e manadas de iaques e dzos (cruzamento de iaques com gado bovino).
O dia é longo e com muitas actividades pela frente. Após a visita ao mosteiro, almoçamos bem num restaurante junto à entrada do mesmo, escolhido pelo 1.º motorista, e partimos para Gyantse.
A estrada que liga Shigatse à outrora terceira cidade mais importante do país – Gyantse – parece recém construída e é em vários troços ladeada por árvores, que contribuem para refrescar a viagem. Passamos por um vale cultivado e por numerosas casas tradicionais com instalações de apoio à agricultura.
Nas bermas, deparamos com vendedoras de fruta, nomeadamente melancia, e paramos para adquirir algumas.
Mais adiante, detemo-nos numa fábrica artesanal de cevada, com quatro moinhos movidos a água, com enormes mós de pedra, onde se trituram grãos de cevada e se transformam em farinha. O pó branco cobre todo o espaço e as fotos parecem tiradas com filme a preto e branco.
No exterior, dois homens, sentados debaixo de uma árvore, bebem aguardente de cevada e oferecem-na em copos que aparentam estarem deveras isentos de alguma operação de limpeza nos últimos anos. Dado que se trata de conteúdo alcoólico, depreendo que o bicho ali não entra, e provo – mais fraco do que esperava.
A cevada é a cultura mais tradicional do Tibete. Com ela os tibetanos confeccionam o seu alimento principal, a tsampa (cevada torrada), que é comida com o famoso chá de manteiga de iaque. O trigo também é cultivado, tal como o arroz, a ervilha e a colza.
Alguns dos nossos pequenos-almoços integraram panquecas feitas com tsampa, e devo reconhecer que, após inúmeras refeições à base de legumes, até parecia que estávamos em casa.
No guia de viagem fornecido pela agência, vinha registado que Shigatse , segunda maior cidade do Tibete, é tradicionalmente um importante centro agrícola produzindo uma grande diversidade de cereais e de legunes . Foi outrora rival de Lhasa em poder militar e religioso até que, no séc. XVII, o quinto Dalai Lama unificou o Tibete com o auxílio dos mongóis. O seu mosteiro é a sede do Panchen Lama, o mestre do Dalai Lama por tradição e a segunda autoridade do País.
Saímos cedo para o Templo Tashilhunpo , da ordem Gelugpa , e deparamo-nos, pela primeira vez, com um enorme complexo formado por residências, capelas, palácios, colégios, túmulos, pátios e salões, em suma, um típico mosteiro tibetano.
Este mosteiro foi fundado em 1447 por Genden Drupp , um discípulo de Tsongkhapa , mais tarde denominado o Primeiro Dalai Lama.
Percorremos o mosteiro a par de centenas de tibetanos que prestam a sua homenagem aos Panchen Lamas ali sepultados. Rezam e deixam as suas oferendas junto às imagens dos anteriores Lamas e dos actuais monges. Circulam sempre no sentido dos ponteiros do relógio e o fervor é de tal forma visível que se torna inquietante e parece que estamos ali a mais a invadir um território que não é o nosso.
Percorremos os férteis vales dos Himalaias, passamos pelas aldeias típicas e chegamos ao fim da tarde à segunda maior cidade do país - Shigatse.
Alojamo-nos no Hotel Manasarovar e deparamo-nos pela primeira vez com enormes grupos de turistas europeus, nomeadamente da França, Itália, Espanha, Áustria e Alemanha, que viajaram primeiro por Lhasa e que percorrem de autocarro o planalto tibetano.
O hotel anuncia que à noite tem buffet e actuação de grupo de danças tradicionais.
Experimentamos o abundante e apetitoso menu e apreciamos as danças de um grupo de dança formado por jovens pouco dotados e ainda menos ensaiados, que tentam demonstrar a sua cultura ao som de música gravada.
Pois é, António, apesar do sofrimento por que passámos, e eu já nem me recordava de todos os pormenores, partia já hoje para os Himalaias. Teria cuidado em fazer a subida mais lenta, levaria mais dias a lá chegar para me habituar à altitude e aproveitaria para estabelecer contactos mais estreitos com os locais, mas voltaria.
Esquecemo-nos, contudo, de mencionar o fado que sempre nos acompanhou a partir daquela viagem de carroça até ao campo base - o fabuloso Os Búzios de Ana Moura. Tentámo-nos lembrar da letra que estava um pouco esquecida e a partir de então foi a nossa canção. Até o carroceiro a começou a assobiar e daqui a uns anos alguém poderá pensar que se trata de uma melodia tradicional tibetana.
Cometemos um erro fatal: fizemos todo o percurso até Rongbuk praticamente sem água.
No jipe em que sigo apenas um dos rapazes tem um cantil com água. No outro jipe a quantidade também não é muita. Passamos toda a manhã nesta longa jornada de ascensão lenta por estrada sinuosa e acidentada, e o sol sempre à espreita. Ora, beber água, é algo que sabemos de extrema necessidade tendo em conta os avisos que nos fizeram e que tivemos oportunidade de ler na preparação desta viagem. Mesmo assim, cometemos a inconsciência de não o fazer.
Começam a surgir os esperados sintomas: fortes dores de cabeça, uma sensação de tontura sempre que fazemos algum movimento e quando este movimento é algo mais de dez passos ficamos exaustos. É impossível sermos rápidos no andar ou em qualquer movimento. A subida de três ou quatro lanços de escadas com mais ou menos dez degraus em direcção ao quarto do hotel, é uma autêntica maratona. Tenho a sensação de travar o meu movimento, de evitar levantar os pés do chão ou mover demasiado os braços. Poupo a amplitude dos movimentos e dá-me a impressão que faço o caminho a pairar.
Depois do almoço já tardio, ainda saímos para visitar o campo base. Daí até ao local mais próximo que o comum turista pode ir são aproximadamente
Novamente sem água. A emoção crescia com a maior aproximação do ponto mais alto do mundo. Colocamos as nossas bandeiras numa espécie de hino à vida e à amizade e ao amor, no fundo, um hino àquilo que de melhor desejamos para nós, para os nossos queridos, para o mundo.
Regressamos ao hotel e as dores de cabeça já são insuportáveis. O cansaço pesou e aterramos nas camas. Minutos depois, o sobressalto de um calafrio faz saltar a Margarida da cama. Está muito pálida, os lábios e dedos das mãos cinzentos e tremia muito. Pensamos ser o primeiro sinal de uma desidratação. Logo providencio que beba água quente o mais que possa já que esta é melhor absorvida do que a fria, e coloco alguns sais minerais para mater o equilíbrio electrolítico e facilitar a retenção da água. A Margarida muito lentamente recupera desse mal estar e voltamos os dois a atenção para as explosões que se fazem sentir nas nossas cabeça. Tenho a sensação que o coração se deslocou para dentro do crânio e que pressiona as suas paredes como que a querer saltar dali. Se pudesse medir a tensão arterial talvez entrava em pânico ao ver o valor. Queixamo-nos e sempre tentando descansar. Até que, depois de algumas horas com dores e uma sensação de desconforto generalizado decido erguer-me na cama pois tenho a ligeira sensação de querer vomitar. Quero confessar à Margarida esta sensação, mas não tenho tempo de articular a frase toda. Vomito em jacto para o chão. Travo o vómito por milésimos de um segundo para poder chegar ao balde do lixo e continuo a vomitar tipo torneira a toda a pressão. Quando termino, lanço-me a beber água quente porque tinha de a repor rapidamente. Em meia hora, bebi mais de um litro, mas não consigo aguentá-la. Nova sessão de vomito e encho meio saco de plástico que tinha colocado ao lado da cama. Pouso o saco e digo: “Isto está mau”. A partir daqui procedemos ao abandono do hotel o mais rapidamente possível. Contactamos com a agência de seguros pois a situação afigura-se critica se eu não conseguir reter água alguma. O médico da companhia de seguros entra em contacto comigo para me dar indicações consoante o relato do meu estado, mas eu já me havia antecipado. Ingeri 5 mg de metoclopramida (anti-hemético) que aliado à descida de altitude foi eficaz. Desta experiência do impacto da natureza sobre o corpo, chego mais ou menos são, mas salvo, a Shigatse. Mais uma experiência no limite.
A estrada não é em nada melhor que a do dia anterior, só não tem trabalhos a serem efectuados. Vamos a caminho do Campo Base do Evereste, em Rongbuk, e o efeito da Doença de Altitude começa a sentir-se – as dores de cabeça aumentam, as pulsações aceleram e parece que o sangue quer sair pelas têmporas. Por muito que nos tivéssemos informado sobre os sintomas, só sentindo. Damos dois passos, subimos dois degraus e ficamos estafados.
Passamos por aldeias típicas, onde temos de parar para pagar a “portagem”, e imediatamente somos abordados pelas crianças e adultos que se preparam para sair para o campo com os seus rebanhos. Mais à frente deparamo-nos com um jipe atolado na lama, mas acreditamos que tal cenário não nos vai acontecer, pois confiamos plenamente no condutor do nosso jipe, homem deveras experimentado e que percorre várias vezes por mês este caminho.
Aproximamo-nos dos yaks pela primeira vez e de duas mulheres que acompanham o transporte. Exigem um pagamento pelas fotos que lhe tiramos e dou-lhes, possivelmente, o equivalente a uns bons dias de trabalho. Não somos aconselhados a dar gorjetas, de preferência a crianças, para não caírem na mendicidade e passarem a viver das sobras dos turistas, mas vendo bem, um modelo na Europa faz-se pagar pelas sessões fotográficas, porque não no Tibete?
A paisagem é exuberante, os prados estão verdejantes, alguns acampamentos, rebanhos e yaks, salpicam o verde e amarelo das culturas, maioritariamente de cevada e mostarda. Ao longe as montanhas mais altas do planeta.
Chegamos finalmente a Rongbuk, a 4980m de altitude, onde se localiza o mosteiro Nyingmapa, o mais alto do mundo, reconstruído pelos monges que lá habitam. Anteriormente era o único local onde podíamos pernoitar, recentemente construíram um albergue onde nos alojamos. As jovens que lá trabalham recebem-nos com muita exuberância e sobem os degraus que nos conduzem aos quartos a correr, transportando malas e mochilas. Fico impressionada com a adaptação desta gente à altitude, eu que mal posso comigo.
Após o almoço de massa ou arroz, como sempre, acompanhado de legumes, deslocamo-nos de carroça ao Campo Base. São
No Campo Base coloco a minha bandeira de oração e a do Mário, feitas em Angra num dos encontros dos Miragatos. O António prende a sua e a da Dulce. A minha é branca com os nomes dos meus amigos e familiares. Trouxe-os comigo ao local mais alto do mundo e lá ficaram. Ainda hoje penso nelas a serem abanadas pelo vento e apetece-me lá voltar para me/as reecontrar.
No cimo do morro onde se encontram as bandeiras, partem e chegam pessoas de muitas partes do mundo, com especial destaque para um grupo de jovens chineses de um canal de televisão de perto de Shangai que transportam o símbolo dos jogos olímpicos de Pequim a todos os recantos da China e fazem questão de serem fotografados e filmados com o mesmo, acompanhados dos turistas que os rodeiam. São jovens, bonitos, bem vestidos e representam certamente a nova China, a geração Eu, entusiasmadíssima com a melhoria da qualidade de vida, com as novas opções de compra e que não liga minimamente às questões políticas, nem à liberdade ou falta dela, que parece abundar por aqui.
A noite é passada com dificuldade, as dores de cabeça intensificam-se, o António vomita várias vezes e partimos mais cedo, de madrugada, para Shigatse. Acordam-se os restantes elementos do grupo e à medida que descemos sentimos consideráveis melhoras.
A subida das Gargantas do Inferno foi aquela experiência única, fantástica e irrepetível, pois com o alargamento e pavimentação da estrada, mais nada será igual na passagem do Nepal para o Tibete, mesmo que algum dia decida lá voltar.
Após o almoço, avistamos as primeiras aldeias tipicamente tibetanas e os vales férteis junto aos rios. Continuamos a subir e passamos pelos colos Nyalam, a 3800m de altura e La Lung, a 5050m, com uma fabulosa vista sobre as montanhas em redor. É aqui que atingimos a altitude máxima da viagem e possivelmente das nossas vidas, a não ser que nos aventuremos a subir uma daquelas montanhas.
Dentro do jipe, não temos consciência do frio e vento que estão lá fora e ainda menos do efeito da “doença de altitude”. Tínhamos lido muito sobre o assunto, até nos tínhamos precavido antecipadamente tomando Gyngko Biloba, íamos “apetrechados” de aspirinas e similares, mas não tivemos tempo necessário para nos habituarmos à altitude e os sintomas de dores de cabeça e náuseas vieram rapidamente ao nosso encontro.
Saímos do jipe e tentamos perceber o que se passa em redor, apesar das tonturas que nos baralham o pensamento. As bandeiras de oração estendem-se por uma grande extensão e são aos milhares, balouçando ao vento. Trouxemos umas feitas de propósito para prender por estas paragens mas estão na mala e estamos tão baralhados que adiamos para local mais apropriado.
Descemos para o desértico planalto tibetano, onde tentamos avistar as montanhas Xixa Pangma (8014m), Cho Oyu (8200m) e Evereste (8848m), e ao fim do dia chegamos a Shegar ou Old Tinggri, que é uma pequena aldeia sobre uma colina, que outrora foi um entreposto onde sherpas do Nepal trocavam cereais, arroz e ferro por lã e sal.
Ficamos alojados no Snow Leopard, um motel com traça tradicional, com sanitários comuns e sem duches. Resta-nos uma boa cama, limpeza do quarto e uma bacia para a higiene pessoal.
A noite foi mal dormida – o alojamento dos “rapazes” tresandava a um misto de odores indesejáveis, os das senhoras eram acanhados, sem banho, e com várias espécies de fauna endémica.
Após o pequeno-almoço, dirigimo-nos ao posto de fronteira e aí percebemos que o sistema informático já possui os nossos dados, recolhidos, certamente, quando nos foi dado o visto de grupo. Podemos finalmente avançar terra dentro.
Informaram-nos que a abertura da via se realizaria somente entre a uma e as quatro da madrugada, mas logo subimos até ao check-point e aguardamos. Somos o segundo jipe e rapidamente outros se juntam a nós, estimando-se que em pouco tempo 4 dezenas de veículos cheios de turistas aguardem o sinal de passagem. Confirmamos mais tarde o porquê do recurso aos Toyota Land Cruiser para fazermos a travessia todo o terreno.
Conversamos, fotografamos, jogamos às cartas e às três da tarde, avançamos.
Percebe-se de imediato que incomodamos na obra que tentam terminar e também ficamos incomodados com o aparente perigo em que nos encontramos – poças de água, lama, calhaus, cascatas, buracos, máquinas em movimento, camiões em sentido contrário, rebentamentos com dinamite, tendas para pernoita dos centenas de operários envolvidos ao longo de
A humidade àquela altitude é muito elevada, por vezes chove, noutras a água mistura-se com as quedas de água. A temperatura é fresca, estamos a mais de três mil metros de altura. As tendas onde os operários pernoitam não parecem ter condições mínimas de higiene, segurança ou conforto. Encontram-se nas bermas do precipício, são rondadas por algumas galinhas e outros animais que deverão mais tarde servir de alimento. Os operários aparentam ser tibetanos pela sua constituição, vestem roupa pouco confortável para o trabalho que desempenham e protegem-se com capacete. Vem-me à ideia a construção do aeroporto das Lajes, na Ilha Terceira, por ocasião da II Guerra. As fotos dos operários trajavam de igual modo – camisa, colete, casaco … Os encarregados são mais corpulentos, possuem outras feições, vestem de forma moderna, falam ao telemóvel.
Avisaram-nos no Nepal que a estrada não tinha condições, pois neste momento todo o Tibete está em obras para passar a tocha olímpica. Não sei se brincavam, mas na realidade muito se faz por estes lados, possivelmente por nunca se ter feito.
A habilidade e competência do condutor dão-nos segurança.
Comemos em Nyalam.
O simpático representante da agência Royal Mountain Travel em Khatmandu avisou-nos que os alojamentos nos três primeiros dias iam ser bastante básicos, mas não nos informou que teríamos de passar a fronteira antes das 18h00, ou então ficaríamos retidos até ao dia seguinte na cidade fronteiriça de Zhangmu, que deixa muito a desejar na qualidade da sua oferta hoteleira.
Apesar dos esforços do motorista para chegarmos a tempo, o mau estado das estradas e a saída tardia ao fim da manhã da capital do Nepal, contribuíram para que não chegássemos dentro do horário de atendimento da fronteira chinesa no Tibete.
Ali, somos recebidos por um militar chinês que faz questão de passear a sua autoridade junto ao edifício de fronteira já encerrado. Insistimos que temos de seguir viagem naquela noite, pois a informação de que dispomos é de que a estrada só está aberta ao trânsito entre a meia-noite e as quatro da madrugada, devido a trabalhos de alargamento da mesma e, além disso, temos alojamento reservado em Nyalam, a 30 km de distância, mas a nossa insistência impacienta-o e dá-nos duas hipóteses de escolha - retém-nos os passaportes e tratamos das questões burocráticas na manhã seguinte ou devolve-nos os passaportes e regressamos ao Nepal e entramos novamente de manhã, o que resulta precisamente no mesmo, com o inconveniente de andarmos a transportar as malas de um lado para o outro e de as condições na cidade fronteiriça do Nepal, Kodari, parecerem ainda ser bem piores.
Acatamos o poder chinês, jantamos no restaurante mais próximo, aguardamos os contactos do guia com o escritório em Lhasa para nos arranjar alojamento e rapidamente nos apercebemos que os três quartos que nos são destinados - 2 para as quatro senhoras e 1 para os três senhores, partilhado com quem eventualmente chegar -, não têm o mínimo de condições básicas, principalmente este último.
Chegámos ao Tibete.
A viagem de Khatmandu até à fronteira com o Tibete serpenteia quase sempre junto ao rio, no desfiladeiro entre altas montanhas verdejantes. Faz-se por estrada alcatroada, por vezes, tendo muitos troços com terreno completamente empedrado e outros que coincidem com a passagem das quedas de água para o rio, que provocaram um relativo pânico nalguns passageiros.
De quando em vez passamos por aldeias onde as lojas multicores alinhadas ao longo da estrada possuem os bens essenciais.
Percebe-se que não há água canalizada nem instalações sanitárias nas habitações, pois com muita regularidade se assiste ao banho da população no caminho junto a fontes.
Na fronteira, que tem de se passar a pé, são muitos os jovens que se oferecem para carregadores e por 100 rupias nepaleses (menos de 1 euro) nos transportam a mala até ao país vizinho, depois de passarmos por vários postos de controlo e de atravessarmos a ponte da amizade, a qual não nos é permitido fotografar.
Estamos a entrar no país onde a polícia e os militares se fazem ver.
Ao fim do dia subimos a colina da floresta de Swayambhunath para visitar o centro religioso de peregrinação para budistas e hinduístas. É constituído por um Stupa e mosteiro budista e uma série de templos hinduístas, prova da coesistência pacífica entre as duas religiões.
Pode aceder-se ao local por uma estrada que serpenteia a colina ou por uma escada íngreme com 365 degraus.
Os macacos rhesus pulam de ramo em ramo, perseguem-se uns aos outros e gritam em redor dos templos.
Ao fundo a enorme cidade de Khatmandu estende-se pelo vale.
Amanhã, partimos para o Tibete.
Em Boudhanath , ergue-se o enorme e maior stupa do país com quinze metros de altura, símbolo da ascensão de Buda ao Nirvana. Os olhos de Buda virados para os quatro pontos cardeais percorrerem os céus. Os peregrinos circulam ininterruptamente no sentido dos ponteiros do relógio e sobem as intermináveis escadas de pedra que lhes permitem o acesso a este stupa .
Almoçamos num terraço com vista para a praça circular que rodeia o templo e apreciamos embevecidos o frenesim dos residentes e dos peregrinos, o ondular das bandeiras de oração, as variadas cores dos trajes, e as marcas do sol e de trabalho no rosto destas gentes que ainda nos são estranhas.
Pashupatinath é o local mais sagrado de Kathmandu para os Hindus. Localiza-se ao longo do rio Bagmati, afluente do Ganges, e é aqui que os hindus vêm cremar os corpos dos recém falecidos.
Este complexo religioso ocupa uma área muito ampla nas encostas do rio Bagmati e ao dirigirmo-nos para lá temos imediata consciência que estamos a entrar em local sagrado - a música que se faz ouvir em todo o local, o silêncio, a oração.
O guia que nos leva a conhecer os arredores de Kathmandu é a versão nepalesa de James Brown. Dizemo-lo, mostramos-lhe uma fotografia do mesmo, que vem num dos jornais indianos disponíveis no hotel, e a comparação agrada-lhe.
Rumamos a Patan, a sul da capital, Património Mundial desde 1979, um dos muitos pontos de encontro das principais culturas asiáticas e de coabitação pacífica do budismo e do hinduísmo.
A cidade exibe faustosas casas com estrutura em madeira, donde sobressaem janelas e portas saídas das mãos de carpinteiros hábeis e artistas. Deambulamos por ruelas, entramos e saímos em pátios que ligam os diferentes espaços de convívio social. Os nossos sentidos despertam com os aromas, as cores a salpicarem as frontarias, as oferendas nos templos e stupas, o calor agradável.
Leio que o aspecto actual das cidades nepalesas remonta aos séculos XVII e XVIII. Os diferentes templos de pedra e pagodes de influência hindu são consagrados ao culto das divindades hinduístas. A forma de budismo praticado no Nepal é praticado nos stupas e mosteiros.
Chegamos à Praça Durbar, praça do palácio da antiga cidade real de Patan e maravilhamo-nos. Pena que temos de seguir viagem.
Hoje, já em Kathmandu, depois de alguns passeios pela cidade, as visões da Terra do Nunca continuam. Por estes lados, regra é uma palavra estranha.
Foi neste ambiente que, ontem, logo à chegada ao hotel, localizado numa zona da cidade chamada Thamel, aconteceu algo inesperado. Reparei que a minha mala não era a minha mala. Parece que tinha entrado num mundo que, até ali, pensava estar só a observar. Afinal, qualquer mala pode ser nossa desde que a brincadeira seja brincar às viagens!
Contactamos de imediato a agência de viagens que nos recebeu em Kathmandu, esperarmos que agência contactasse o aeroporto, a agência não o fez nesse dia porque o aeroporto já estava fechado, abrimos a mala para tentar descobrir a identidade dos donos da mala trocada, descobrimos apenas que eram espanhóis, quase de certeza de Barcelona a avaliar pela quantidade de passageiros desta cidade que viajaram connosco de Londres até Dheli; saí à rua com uma das t-shirts masculinas que vinham dentro da mala para que, na eventualidade de me cruzar com o dono, este a reconhecesse e assim pudéssemos fazer a troca das malas; no local onde fomos telefonar estava uma rapariga que falava espanhol e, claro está, aproveitei logo para fazer uma exposição da situação; a rapariga era de uma país sul americano que não me recordo qual, mas em todo o caso passei-lhe a palavra; e com a cabeça às voltas de tanto pensar no como esta troca pode ter acontecido regressámos ao hotel frustrados. Só hoje, depois de várias manobras dentro do aeroporto, descobrimos que a minha mala afinal estava no aeroporto de Dheli e ao princípio da tarde já estava
O mais difícil após uma longa viagem é habituarmo-nos ao novo fuso horário. O famoso jetlag atinge-nos a todos. Houve uma tentativa de nos deitarmos mais cedo na noite anterior mas a música de uma discoteca com a mesma batida de todas as discotecas de todo o mundo, só que com letras diferentes, evitou até à meia-noite que dormisse descansadamente.
O dia foi ocupado com uma visita guiada por quase todos os grandes templos da cidade e na tentativa triunfante de resgatar a mochila do António, que foi trocada em Dheli.
A calma demonstrada pelos companheiros de viagem denota que se sentem deveras protegidos pelos sacos de areia e pela metralhadora do tropa indiano.
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